Governança socioambiental é desafio global
Com o aumento da ocorrência de eventos extremos em todo o mundo, falar
de mudança climática é imperativo. A área tecnológica é estratégica porque é do
conhecimento de seus profissionais que vão surgir as soluções necessárias para
cidades mais resilientes e inovações para construir um mundo mais sustentável e
justo. Com mais de 350 mil profissionais registrados, o Crea-SP tem uma enorme
capacidade técnica para contribuir e, ciente disso, tem destacado cada vez mais
o seu compromisso com a agenda ESG (sigla em inglês para Environmental, Social and Governance),
promovendo discussões sobre assuntos urgentes e de interesse da
sociedade.
Durante o 5º
Encontro Paulista de Engenharia Ambiental (EPEA), realizado
pelo Crea-SP no dia 31 de janeiro, especialistas estiveram presentes para
debater desastres climáticos; descarbonização e políticas públicas; e justiça
climática, e pensar juntos como ajudar o Brasil a lidar com os principais
desafios relacionados aos temas. Os engenheiros ambientais Felipe Dutra Dias,
Elisa da Costa Guida, e Renato Muzzolon Jr. aprofundam o assunto na entrevista
a seguir:
Como a Engenharia pode agir na prevenção de desastres climáticos?
Felipe Dias: Entender e projetar sistemas, processos e
infraestruturas, com o intuito de efetuar melhorias ou garantir maior
eficiência por meio da aplicação de método científico, é um dos atributos da
Engenharia que pode ser muito útil ao pensarmos nessa pauta. Profissionais da
área podem e vêm contribuindo com ações em diversos eixos. No planejamento,
projetando cenários futuros e identificando vulnerabilidades socioambientais;
no aperfeiçoamento do monitoramento climático, que se apoia em inovações
tecnológicas; com ações de mitigação e desenvolvimento de novos produtos,
processos e práticas com menor pegada de carbono etc.
Quais estratégias podem ser adotadas para convencer os setores público e
privado de agirem antes dos eventos extremos se materializarem?
FD: Planejar e antecipar ações é condição primordial para aumentarmos a
resiliência, a sustentabilidade e o bem-estar da sociedade. Na esfera pública,
o desenvolvimento de planos de ação climática e uma estrutura mais robusta de
financiamento são bons caminhos. Complementarmente, o setor privado deve agir
em constante atenção em relação aos impactos de suas ações, de modo a reduzir
não só seus efeitos diretos, mas também garantir a possibilidade de
rastreabilidade da sustentabilidade em sua cadeia de suprimentos. De modo
conjunto, instrumentos como os tratados internacionais e as agendas climáticas
e de sustentabilidade, que formalizam as intencionalidades, são importantes.
Adicionalmente, a capacitação de corpo técnico melhora a compreensão das causas
e impactos das mudanças climáticas e abre caminhos para práticas mais efetivas
de mitigação e adaptação.
O que falta para descarbonizar o Brasil?
Elisa da Costa Guida: O Brasil é signatário do Acordo
de Paris e assumiu compromissos, através da chamada Contribuição Nacionalmente
Determinada (NDC, em inglês), que define metas para reduzir nossas emissões de
gases de efeito estufa em 48% até 2025 e em 53% até 2030, em relação às
emissões de 2005. Adicionalmente, existe o compromisso de alcançar zero
emissões líquidas em 2050. Para atingir essas metas, o Brasil começou a
trabalhar nos chamados planos setoriais, que são diagnósticos para entender
como melhor abordar cada setor. Atualmente, 72% de nossas emissões estão
relacionadas ao uso do solo e agropecuária e o restante se divide entre os
setores energético, resíduos e processos industriais. Para descarbonizar, o
país precisa encontrar formas de reduzir emissões nesses setores. Todos são
importantes, porém, o foco deveria estar naqueles com a maior
contribuição.
É possível fazer isso (a descarbonização) dentro do
tempo proposto pelas metas internacionais?
ECG: Considero pouco provável. Nossa primeira meta deve ser cumprida até 2025
e há muita coisa a fazer. Já evoluímos bastante sob o ponto de vista
tecnológico, sendo um país referência em muitas políticas para as energias
renováveis e biocombustíveis, por exemplo. Porém, o combate ao desmatamento tem
sido uma problemática, que entra e sai das prioridades do país, a depender das
agendas dos governos. Mas, no final de 2023, o Brasil afirma ter reduzido em
22% suas taxas de desmatamento, em relação ao ano anterior. Se essa tendência
continuar, ainda existe esperança de chegar perto de um resultado desejável.
Vale lembrar que o Brasil sediará a Conferência das Partes em Belém, em 2025, e
essa pode ser uma alavanca para colocar nossas políticas públicas e ações nos lugares
certos.
A maior parcela de CO2 do Brasil vem da agropecuária, setor que
também gera o maior percentual de Produto Interno Bruto (PIB). Isso significa
que o desafio de descarbonizar o país está no equilíbrio entre produção
sustentável e políticas públicas de recuperação do solo?
ECG: O Brasil vive esse círculo complicado de resolver. Dependemos da nossa
agropecuária, mas ela também se associa, sob diversas formas, às emissões, dado
o avanço das frentes de desmatamento, mas também às emissões típicas do setor
agropecuário, como, por exemplo, as de gás metano. Assim, existe uma força
tarefa que precisa acontecer, com algumas ações para melhorar a fiscalização
das áreas desmatadas; empregar técnicas que aumentem a produtividade; recuperar
áreas degradadas; implementar técnicas de agropecuária regenerativa, entre
outras. Existem formas de fazer isso, como melhorar o acesso à tecnologia e
informação. Precisamos fazer esse conhecimento chegar ao produtor. Algumas
dessas práticas são mais custosas, em um primeiro instante, e, como qualquer tecnologia
que está tentando se estabelecer, precisa de subsídios e melhores condições de
crédito para que haja adesão.
O que é justiça climática e por que esse é um conceito tão importante?
Renato Muzzolon Jr.: A ideia é garantir que os
impactos das mudanças climáticas sejam enfrentados de forma justa e equitativa
e é importante porque reconhece que elas não afetam todas as pessoas e regiões
da mesma maneira e que as políticas precisam abordar essas desigualdades para
serem eficazes. Isso ajudará a reduzir os impactos sobre os mais vulneráveis e
também fortalecerá a resiliência global diante desses desafios. Precisamos que
as ações reconheçam que os países mais vulneráveis e menos responsáveis pelas
emissões históricas têm menos recursos e que temos uma responsabilidade com
eles. Também é importante dar voz e incluir as comunidades vulneráveis nas
decisões e cuidar das comunidades já afetadas, com compensação financeira ou
restauração de ecossistemas degradados, por exemplo.
Como a área tecnológica pode ajudar a encontrar soluções para as
desigualdades sociais e ambientais?
RMJ: Um dos pilares da área tecnológica é melhorar a qualidade de vida das
pessoas, e isso está intrinsecamente ligado à justiça climática. Proporcionar
acesso à energia limpa e sustentável, como energia solar, eólica e outras
fontes renováveis, é uma forma de contribuirmos. Também podemos construir
tecnologias de prevenção e resposta a desastres naturais, como sistemas de
alerta precoce, redes de sensores e modelos de previsão climática, aumentando a
resiliência de comunidades vulneráveis. Isso sem falar no acesso a serviços
básicos, como saneamento, e alimentos seguros, essenciais para garantir a
qualidade de vida das pessoas.
As discussões dos grupos também viraram artigos. Confira: